sexta-feira, 6 de maio de 2016

Madona

*por  Maria Elvira Tavares Costa

Eu visitava um Centro de Referência Social, um CRAS, da minha cidade. Lugar de atendimento às pessoas carentes. Conduziria uma oficina. Enquanto aguardava a chegada dos demais participantes, observei uma mulher que conversava entre outras mulheres. Pareceu-me que as divertia com suas histórias, um tanto bizarras. Todas biográficas. Fantasiosas ou não... Quem poderá estabelecer o agudo fio dessa navalha?

Alguém lhe perguntou qual a origem do seu codinome: “Madona”.

Sem rodeios nem timidez, a mulher, de idade indefinida, e de beleza ocultada pelas roupas brutas qual gari ou cortadora de cana, satisfez a curiosidade das ouvintes: Um homem lhe prometera dinheiro se ela fizesse aquelas coisas para ele. Ela fez. De volta ao bar, ele disse que não pagaria porque ela não sabia fazer as coisas direito.

Ela contava rindo.

- “Não vai pagar não? Então, tá!”

-“Peguei uma cadeira e quebrei nele. Deixei ele no chão, todo ensanguentado. Aí, tive que fugir. Minhas amigas foram comigo. Fomos para a BR, pegar carona de caminhão. Foi quando decidimos trocar de nome. Não podíamos usar os nossos mais. Cada uma escolheu o seu. Mas, foram elas que escolheram o meu. Porque eu tinha derrubado o sujeito, acharam que eu devia me chamar Madona. Eu não gostei não, mas, pegou...”

As moças continuaram se rindo. Não perceberam quando ela mudou o tom para contar outra história. Quanto a mim, ela já tinha me fisgado. Meus olhos não desgrudaram mais.

Ouvia – a fala correta, o português bem construído. Onde teria aprendido? Que passado teria existido antes desse presente que, naquele momento, eu testemunhava?

Observava. As tatuagens que as mangas arregaçadas permitiam enxergar. Os cabelos, louros, cobertos por uma touca. O rosto – o que seriam aquelas linhas que como que escorriam, uma de cada lado, como caminho de lágrima? Tatuagem antiga, azulada? Não consegui esclarecer. Mas, que imagem forte naquela face de tantas histórias...

Fiquei pensando na condição da prostituição e me perguntando como seria “fazer as coisas direito” para uma pessoa que vive em meio a tanta violência e agressões. Como fazer carinho? Como demonstrar afeto? Como fazer amor?

Ela não me deixou seguir por dentro. A história seguiu. As moças , me pareceu, nem a ouviam mais, talvez pelo tom. Eu a segui.

- “O pai da minha filha a roubou de mim. Ela tinha seis meses. Ele a levou embora. Meus peitos escorriam de leite. Eu enlouqueci. Saí procurando pelo Recife, até encontrar... Na casa da irmã dele. Ele era metido a rico... Eu meti o pé na porta. Forcei para entrar... Ela não queria deixar. Minha filha chorava – ela só tomava leite de peito, não aceitava mais nada. Ela estava com fome. E meus peitos estavam escorrendo leite. Eu mostrei prá dona da casa.

Eu falei o que ela estava fazendo. Ela trouxe minha filha. Ela logo veio pro meu peito. Eu saí correndo daquela casa. Sentei na calçada. Fiquei ali, amamentando minha filha e chorando. Nunca mais deixei o pai ver a filha. Nunca mais. Ela hoje tem 19 anos, e é uma moça linda!”

Madona, Ma Donna, Minha senhora... um dos nomes de Maria. Nome de Mãe!

"Eu vi minha mãe rezando,
Aos pés da Virgem Maria
Era uma santa escutando
O que outra santa dizia."



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