segunda-feira, 14 de março de 2011

O que é que a mulher mais deseja no mundo?

*por AR (publicado originalmente no Facebook)



Sei que é um assunto recorrente e bem complexo. Já falei dele em meu blog, aqui, já ouvi essa pergunta inúmeras vezes por interesse ou simples retórica... Mas, ao ler novamente um trecho dos meus amados Contos Arturianos que me acompanham desde sempre, graças a um Pai perfeito que tenho (pra quem não sabe, são as várias aventuras do Rei Artur e seus famosos Cavaleiros da Távola Redonda, com toda a magia e fantasia que se tem direito) esbarrei novamente na história do casamento de Sir Gawain e Madame Ragnell (ou Ragnelle).
É uma história de honra, coragem e respeito da qual gosto bastante e que dá uma resposta bastante plausível a este enigma.

Em um não tão breve resumo: Um ano antes desta história acontecer, Rei Artur foi surpreendido durante uma caçada pelo misterioso Somer Gromer Jour (Senhor do Dia de Verão) quando estava limpando um cervo que havia acabado de abater. Desafiado pelo homenzarrão que dizia ter sido ofendido por Artur no passado, o rei lançou mão do código de cavaleiros, em que um não poderia se aproveitar do outro se este estivesse desarmado, o que era o caso. Sir Gromer Somer Joure exigiu então que sua indefesa vítima jurasse voltar àquele mesmo local no mesmo dia do ano seguinte, desarmado como agora, vestindo apenas seu traje verde de caçador, porém trazendo, para salvar sua vida, a resposta a este enigma: "O que é que uma mulher mais deseja no mundo?". Logo que Artur chegou perto de seus cavaleiros, Sir Gawain, sobrinho do rei, seu primeiro cavaleiro, herdeiro do trono e o mais belo, nobre e cortês entre todos, percebeu que ele estava calado e o interpelou. Assim que soube o que era, propôs ao tio que cada um fosse para um lado perguntando a todas as mulheres que encontrassem a resposta para este enigma, de forma a percorrer toda a Bretanha. Os dois anotaram todas as respostas, por mais tolas que fossem em grossos livros e se encontraram. Faltava um mês para o encontro com seu desafiante, mas o rei estava com a pulga atrás da orelha, desconfiando que ainda não tinha a resposta correta. Resolveu dar mais uma volta em uma das florestas para perguntar a mais mulheres. No meio do caminho deu de cara com uma anciã pavorosa, com dentes parecendo presas, unhas parecendo garras, fedida e descabelada, mas montando um cavalo belíssimo, próprio de nobres. Ela o interceptou e disse que, apesar dele ter milhares de respostas, nenhuma era a correta, mas que ela sabia qual era, mas por um preço: o gostosão do Sir Gawain tinha que se casar com ela (véia esperta!). Arthur, que havia ficado apavorado com o aspecto da velhinha, negou sem nem pensar, mas a bruxa foi tão incisiva, que ele voltou para Camelot com o cachorro inteiro atrás da orelha. Gawain, atencioso como sempre, percebeu que o tio estava muito xué e encheu a paciência dele até que ele contasse o que era.
O bonitão não pensou duas vezes e aceitou a condição para salvar a vida de seu rei.
Então, no dia marcado, o rei foi ao encontro de Somer Gromer Jour levando os livros com as respostas que ele e Sir Gawain haviam conseguido em suas andanças. Apesar de debochar, o grandalhão leu resposta por resposta e, com um prazer inenarrável, disse que nenhuma delas era a certa. Então, p. da vida, Artur deu a ele a resposta que a velhota tinha lhe soprado. Nem preciso dizer que era a resposta certa, o que deixou o SGJ muito mais p. da vida, mas como bom cavaleiro, tinha que obedecer o acordo e deixar o rei vivo.
Na volta, passando pela floresta, a velhinha fedorenta estava esperando o rei para que ele a escoltasse até o reino, para se casar em uma festa suntuosa com o perfeito Sir Gawain (neste ponto, meu sonho de consumo). Quando o loirinho viu a velha, quase morreu de susto, mas, fiel à promessa, casou-se com ela e a tratou com respeito desde o primeiro momento.
Na noite de núpcias, a velhota tarada exigiu que o casamento fosse consumado. Sir Gawain, o gostoso, deve ter respirado fundo (ou não, pq ela fedia muito), tido todo tipo de arrepios do tipo ruim, pensado na Gisele Bundchen, e se preparou para fazer o que sua esposa queria, mas sem uma queixa sequer. Quando virou, encontrou em lugar da velha pavorosa a mulher mais linda que ele havia visto na vida. Surpreso, soube que a bonitona estava encantada e só o casamento com o cavaleiro mais nobre do reino desfaria o encanto. Aí, quando ele achou que tinha se dado bem, ela disse que ficaria gostosona só durante a metade do tempo. A outra metade, ela seria a velha horrorosa que todos conheceram. Sir Gawain ficou com um abacaxi pra descascar: se ela ficasse linda durante a noite, eles poderiam fazer loucuras entre quatro paredes, ou fora delas... Mas durante o dia ele desfilaria com uma bruxa a tiracolo. Se ele escolhesse te-la maravilhosa durante o dia, pra exibir para todos, dormiria com uma bruxa horrível todas as noites.
E aí, o nobre, cortês, gostosão e esperto do Sir Gawain falou as palavras mágicas para sua esposa, no momento toda boa: "Vc é quem sabe."
E assim, caros amigos, ao dar à Ragnell o direito de decidir a própria vida, o encanto se desfez. E essa era a resposta que eles buscaram por tanto tempo. Ou seja: nós, mulheres, queremos soberania, acima de tudo. Não sobre o mundo, ou sobre os homens, ou sobre os bens, mas sobre nós mesmas. Queremos ser donas do nosso destino. Queremos decidir o que é melhor para nós. Esse direito de decidir a própria vida era quase impossível para uma mulher da Idade Média, e ainda é muito difícil hoje.
Porque pode até parecer que somos donas do nosso nariz, mas são tantas decisões e renúncias que isso quase nunca é uma verdade...

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